A Parábola do Bom Samaritano | Reflexão e Explicação Estudo Bíblico

Jesus estava caminhando com seus discípulos em direção à Jerusalém, quando ensinou a parábola do bom Samaritano. O Mestre fez esta explicação, como uma resposta ao questionamento de um certo doutor da Lei.

E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Lucas 10:25

Essa pergunta, “como herdar a vida eterna”, era recorrente no ministério de Jesus, pois o jovem rico também fez o mesmo questionamento.

Um certo doutor da lei

E o homem que o perguntou nessa passagem, não era leigo, pois o texto da Peshitta, em Hebraico, o chama de סוֹפֵרsofer“, “Escriba“, um profissional altamente treinado para fazer a cópia dos manuscritos da Lei e dos Profetas.

Ele conhecia muito bem o que estava escrito na Bíblia, por isso que a reconstrução de Franz Delitzsch, do Evangelho de Lucas, em Hebraico, o chama de חָכָם (lê-se rarram), que significa “sábio“.

Os “Soferim“, “Escribas“, eram considerados sábios, pela população, pois como trabalhavam copiando a Bíblia, e escrevendo-a no seu dia a dia, o seu alto nível de conhecimento dos textos era uma consequência natural.

E esse doutor da Lei era tão versado no conhecimento bíblico, que prontamente reconheceu a superioridade do conhecimento de Jesus, pois o chamou, em Hebraico, de מוֹרֶהmorêh” “professor“.

Ele teve, durante toda aquela conversa, uma aproximação muito amistosa para com o Mestre.

Tentando-o

Ainda que a tradução inicie essa passagem afirmando que o Escriba se levantou “tentando-o“, acredito que o significado da palavra usada neste verso, o verbo לְנַסּוֹת lenassôt, deveria ser lido como uma “tentativa”, um “exame”.

O doutor da Lei estava examinando a pregação de Jesus, para poder dar uma chance a si mesmo, para checar “de perto”, qual era a mensagem do Mestre. Não houve uma abordagem desonrosa nesta história, como muitas pregações tentam fazer parecer.

Não foi como a tentação de Jesus no deserto.

E ainda mais, pelo contexto do Novo Testamento, podemos concluir que havia ensino do conteúdo bíblico em Israel no tempo de Jesus e dos Apóstolos (o primeiro século), e não era da falta de conhecimento das “letras” que sofria o povo.

Este início da parábola do bom Samaritano nos sugere que o problema estava na disparidade entre o “escrito”, e o “lido”; entre as “letras”, e como eram lidas ou interpretadas. É por isso que Jesus responde com uma nova pergunta:

O que diz a Lei?

E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?
Lucas 10:26

Chega a ser surpreendente, para o “mundo Cristão”, essa pergunta-resposta de Jesus. Ocorre que o Mestre foi questionado sobre “o que farei para herdar a vida eterna?” É sobre a vida eterna que se trata essa passagem.

E Jesus remete para a Lei, que muitas vezes é tão incompreendida, mal lida, mal interpretada, tratada até como “maldição” por parte de algumas denominações, mas isso tudo por desconhecimento do que diz a Lei de Deus.

Querendo ser mestres da lei, e não entendendo nem o que dizem nem o que afirmam.
1 Timóteo 1:7

Tenho afirmado e reafirmado em diversos estudos bíblicos, que o Cristão não é obrigado a cumprir toda a Lei, de acordo com a ordenança que os Apóstolos nos deixaram no Concílio de Jerusalém, registrado em Atos 15.

Mas há partes da Lei de Deus que tratam dos mandamentos morais, que importam sim para a vida eterna.

Nenhum homicida, roubador, fornicador, adúltero, mentiroso, desobediente a pai e mãe, e que vive na prática de coisas semelhantes a estas, herdará a vida eterna.

Claro que a salvação vem por meio da fé, porém a Lei nos mostra como devemos ou não devemos nos comportar. Por isso os Apóstolos nos disseram que se for bem interpretada, a Lei é boa:

Pois dou-vos boa doutrina; não deixeis a minha lei.
Provérbios 4:2

Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente;
1 Timóteo 1:8

Amarás a Deus e ao próximo

A resposta do doutor da Lei, ao questionamento do Mestre, foi perfeita. Ele tinha uma excelente leitura e interpretação em termos gerais:

E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.
Lucas 10:27

Essas palavras são dos versos do livro de Deuteronômio, e eram, e ainda são atualmente, recitadas todos os dias pelos Judeus, pela manhã na oração de shacharit (lê-se sharrarít):

Ouve, Israel, o Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um.
Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.
Deuteronômio 6:4,5

deuteronômio 6:5 em hebraico

וְאָהַבְתָּ אֵת יְהוָה אֱלֹהֶיךָ בְּכָל־לְבָבְךָ וּבְכָל־נַפְשְׁךָ וּבְכָל־מְאֹדֶךָ׃

Há algo interessante, e muito revelador nesta passagem da parábola do bom Samaritano.

Quando lemos esta texto de Lucas na Peshitta em Aramaico, na parte da resposta do Escriba, “amarás o Senhor teu Deus”, a palavra “Senhor“, é o nome מָריָאMariáh“, que segundo o dicionário Aramaico Glenn David Bauscher, corresponde ao nome de Deus em Hebraico, “Adonai”, ou  יְהוָֹהYehová“, que é geralmente traduzido como “Jeová“.

Disse que esse nome é revelador, porque no mesmo Evangelho de Lucas 2:11, que trata sobre o nascimento de Jesus, o Mestre é chamado de “Senhor“, com o nome מָריָאMariáh“, em Aramaico.

Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor [מָריָאMariáh” “o Eterno“].
Lucas 2:11

lucas 2:11 em hebraico yehovah mariah

Jesus foi chamado de Mariáh em Aramaico e Yehová em Hebraico, que é o nome do Eterno.

E como vimos, o nome מָריָאMariáh” é o nome do Eterno. Lucas nos revela duas vezes, que no nascimento de Jesus, era o próprio Eterno que tinha se feito homem, para cumprir o plano da salvação para a vida eterna.

Agora na parábola do bom Samaritano, Lucas nos mostra que devemos amar מָריָאMariáh“, o Eterno nosso Deus, que é o mesmo Jesus, pois Jesus é o Eterno!

Faze isso e viverás

E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e viverás.
Lucas 10:28

Também não deixa de ser surpreendente a nova resposta de Jesus. O Mestre não diz, “apenas tenha fé“, mas ele usa o verbo לַעֲשׂוֹתlaassôt“, que envolve o “fazer algo“, que é cumprir os mandamentos.

Isso porque a salvação é um misto de fé e obras. Se enganam aqueles que pensam que para ser salvo, basta crer que Jesus é o Salvador. Como os próprios Apóstolos falaram, até o nosso adversário crê, e estremece!

Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem.
Tiago 2:19

Não é toda pessoa que diz crer em Jesus que será salvo, mas aquele que cumpre a vontade do Eterno, que está expressada nos seus mandamentos.

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai
Mateus 7:21

Aí volto ao estudo que postamos, mostrando quais são os mandamentos morais que o Cristão deve ter atenção.

Algumas vezes ocorre que um dos Apóstolos, em suas cartas se dirigia a uma Igreja que focava muito nas obras, acreditando que somente por elas seriam salvas. Daí houve a necessidade de instruções que enfatizavam a fé.

Em outras Igrejas, o foco dos membros estava apenas no “crer”, pensando que não precisavam guardar mais nada. Eles passaram a viver na prática do erro, e ensinavam que a “graça” bastava.

Nessas ocasiões, os Apóstolos chamavam a atenção para que também guardassem os mandamentos. Portanto, não se deve usar versículos isolados, nem para um lado (das obras), nem para o outro (da fé).

As duas são importantes, e uma não “vive” sem a outra. Fé e obras, graça e mandamentos cooperam para a vida eterna.

Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?…

Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.

Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.
Tiago 2:14-18

Justificar a si mesmo

Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo…
Lucas 10:29

Novamente encontramos mais um trecho de difícil tradução. Temos a impressão que o doutor da Lei desejava se declarar justo, por sua própria condição. Ou que tentaria fazer em seguida, uma pergunta capciosa pra Jesus.

Nós já lemos diversos embates entre o Mestre e os Escribas e Fariseus, e podemos ver na história dos Evangelhos que eles não tentam disfarçar a sua oposição à pregação do Salvador, recorrendo quase que sempre a questões irônicas.

Porém com este personagem, isso não acontece. A pergunta que ele vai fazer, e que vamos estudar mais abaixo tem muito sentido em ser feita.

Por isso, quando o texto da Peshitta emprega as palavras לְהַצְדִּיק אֶת עַצְמוֹ lehatzdiq atzmô, a leitura mais apropriada seria que o doutor da Lei queria corrigir-se, e procurava a verdadeira justiça, para também ser um justo.

Essa conclusão vem da resposta final do Escriba para Jesus, mostrando que ele havia entendido muito bem a parábola do bom Samaritano, sem cometer nenhuma ofensa, nem mesmo ter sequer sugerido qualquer destrato ao Mestre.

Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?

E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.
Lucas 10:36,37

Quem é o meu próximo?

Então, vimos que doutor da Lei possuía uma grande leitura e interpretação da Bíblia, em termos gerais, entretanto em um ponto bastante específico, ele demonstrou ter dúvida:

…disse a Jesus: E quem é o meu próximo?
Lucas 10:29

E essa dúvida era genuína, uma vez que a palavra “próximo”, em Hebraico, que é רֵעַ “réah”, tem vários significados. Um deles, atualmente é “amigo“.

Provavelmente, no tempo bíblico, o termo רֵעַ “réah” fazia referência a um significado muito mais geral.

No tanque de Siloé, que foi construído na época de Ezequias, quando os trabalhadores cavavam o túnel da fonte e passagem para a água, em dois grupos em sentidos contrários, um podia ouvir ao outro quando estavam perto de terminar a perfuração.

O texto bíblico os chama de רֵעַ “réah”, que certamente significava colegas de trabalho, e não tinha a conotação de estar se referindo a um amigo.

Na época de Jesus, o Hebraico estava passando por diversas transformações, principalmente porque os Judeus passaram pelo exílio babilônico, em terras que falavam o Aramaico.

É possível ver a influência marcante do Aramaico em todo o texto bíblico. Assim, os significados das palavras tinham mudado, e novos significados surgiram.

Provavelmente, os Judeus da época do segundo Templo, não entendiam a Bíblia da mesma forma como foi escrita por Moisés, depois de séculos. Por isso, “ame o teu próximo com a ti mesmo”, se referia a um amigo, ou a qualquer pessoa?

Como demonstrou muito bem em seus estudos, o Professor David Flusser, a parábola do bom Samaritano está intimamente relacionada com o sermão do monte, quando Jesus disse:

Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos
Mateus 5:43,44

Ou seja, o Mestre estava resgatando o significado real da palavra רֵעַ “réah”, “próximo“, da forma como foi registrada por Moisés em Levítico e Deuteronômio, que incluía a todos, inclusive aos inimigos.

O contexto da parábola do bom Samaritano

Segundo, Shemuel Safrai, no livro The Jewish People in the First Century, uma grande quantidade de Sacerdotes e Levitas vivia em Jericó.

Na parábola do bom Samaritano, Jesus mencionou que um Sacerdote e um Levita saíram de Jerusalém, para a cidade de Jericó. Faz sentido o Mestre ter usado esta ilustração para o Escriba doutor da Lei, naquela época do ano.

Este episódio aconteceu entre as semanas 38-42 do ministério de Jesus, aproximadamente no mês de dezembro (segundo o livro The Chronological Gospels, de Michael Rood), que é inverno em Jerusalém, que por causa da altitude (800 metros), faz muito frio.

Jericó era procurada pelos habitantes de Jerusalém, pois estava localizada à curta distância, em uma região semi-deserta, e a sua temperatura se mantinha agradável durante o inverno. Os reis de Israel construíram palácios de inverno naquela cidade.

Havia uma alfândega na cidade para recolher os impostos, pois era rota de comércio entre o Oriente e a África. Os Publicanos, como Zaqueu, se estabeleceram ali.

Há uma diferença de aproximadamente mil metros de altura entre Jericó e Jerusalém. E o caminho é cheio de curvas e pequenos montes, dos quais os assaltantes usavam para ataques surpresas aos viajantes que passavam ali.

A parábola do bom Samaritano

Jesus estava restaurando o significado de quem seria o nosso próximo, ao Escriba, por meio da parábola do bom Samaritano. E ele poderia ter usado qualquer esteriótipo dos diversos grupos religiosos que havia em Israel naquele tempo.

E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.

E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo.
E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo.

Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;
Lucas 10:30-33

A ilustração da parábola toma como base o texto de Levítico, que proíbe ao Sacerdote e ao Sumo Sacerdote de terem contato com mortos.

Se o sacerdote tocasse um morto, ficaria 7 dias impuro, portanto não poderia executar o seu serviço no Templo, e passaria por uma complexo processo de purificação.

Depois disse o SENHOR a Moisés: Fala aos sacerdotes, filhos de Arão, e dize-lhes: O sacerdote não se contaminará por causa de um morto entre o seu povo,

Salvo por seu parente mais chegado: por sua mãe, e por seu pai, e por seu filho, e por sua filha, e por seu irmão.

E por sua irmã virgem, chegada a ele, que ainda não teve marido; por ela também se contaminará.
Ele sendo principal entre o seu povo, não se contaminará, pois que se profanaria.
Levítico 21:1-4

Mas não foi por causa dessa prescrição prevista na Lei, que o Sacerdote e o Levita deixaram de socorrer ao homem que foi atacado, e que ficou “meio-morto“.

Na verdade, o erro se deve a uma falta de conhecimento sobre o que está escrito e como o texto é lido. Por isso da pergunta de Jesus no início dessa passagem, “o que está escrito… como lês?

Ou seja, o problema estava na interpretação do texto bíblico de Levítico.

Os Sacerdotes serviam apenas uma semana por ano no Templo, porém, como o a parábola descreve, ele não estava a caminho de Jerusalém, mas se dirigia à Jericó, ou seja, ele não estava no período em que serviria no templo!

Assim, a própria Lei previa o afastamento de sete dias, e também prescrevia um ritual pelo qual o Sacerdote poderia estar apto para retornar ao seu serviço.

Este é o estatuto da lei, que o Senhor ordenou, dizendo: Dize aos filhos de Israel que te tragam uma novilha ruiva…

Aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, imundo será sete dias.

Ao terceiro dia se purificará com aquela água, e ao sétimo dia será limpo
Números 19:2-12

Ainda mais, mesmo que estivesse próximo ao tempo em que serviria no Templo, a misericórdia e a vida humana sempre estiveram nos planos de Deus, pois o amor ao próximo era o segundo maior mandamento da Lei, ficando abaixo apenas do amor ao Eterno.

A pureza ritual nem de longe se compara com o amor!

A grande moral da parábola do bom Samaritano é que , mesmo um Samaritano, considerado menos capaz de conhecer a “letra” da Lei, sabia que a vida humana é o bem mais valioso do mundo, e está acima de todo e qualquer ritual religioso.

Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício…
Mateus 9:13

Bibliografia: The Parables, Brad H. Young; Aramaica Peshitta, Sociedade Bíblica em Israel; The Chronological Gospels, Michael Rood.

Sobre o autor | Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies. Autor do livro Gênesis, o Livro dos Patriarcas.

Para enviar seu comentário, preencha os campos abaixo:

Deixe um comentário

*

2 Comentários

  1. Hiago Frazão de Lima disse:

    Coisa linda 👏👏👏

  2. Lucas disse:

    Incrível! Que o SENHOR seja louvado!