O nascimento de João Batista é a Reencarnação de Elias?

Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, profetizou Malaquias a respeito do nascimento de João Batista, o precursor do Messias. Algumas pessoas não conseguiram entender o verdadeiro teor dessa passagem, e a usam fora de contexto para justificar a crença na reencarnação.

Definitivamente, há muito desconhecimento da cultura e da língua dos Hebreus/Judeus, e por isso há muitas interpretações confusas também.

Os textos bíblicos foram originalmente escritos por Hebreus/Judeus que tinham o Hebraico e o Aramaico como línguas maternas. E a cultura desse povo faz com que eles tenham uma forma muito peculiar de escrever e de interpretar os seus textos literários.

Entendendo o Nascimento de João Batista

A Bíblia é um tipo de literatura Hebraica! Se tentarmos interpretá-la apenas usando a nossa língua Portuguesa, certamente estaremos cometendo erros de interpretação, pois o Hebraico bíblico tem a sua própria forma de funcionamento.

No mínimo, precisamos saber que os textos Hebraicos tem Quatro Níveis de Interpretação, chamados de sistema PaRDeS, que é o acrônimo de Peshat, Remez, Derash, e Sod:

  1. Peshat – é o sentido plano e direto do texto, ficando no nível mais superficial, chamado de sentido literal;
  2. Remez – é o sentido simbólico, onde são colocadas pistas, para que ajamos como um detetive, investigando as pistas que são deixadas em outros textos. O autor nos leva a fazer comparações simbólicas de diversos outros versos, a partir de uma pista;
  3. Derash – é o sentido alegórico, semelhantes às parábolas de Jesus. Este nível nos leva a uma maior investigação do texto; e
  4. Sod – é o nível do segredo, do mistério ou da revelação, como no caso das profecias do livro do Apocalipse.

Assim, dizer que “enviaria o Profeta Elias”, é usar o estilo literário do Hebraico que foge da literalidade. Veja que este texto tem o sentido literal e o sentido simbólico do nível Remez.

É dizer que João Batista teria o mesmo espírito rústico e a mesma coragem de Elias. Elias que profetizou contra um reino inteiro, o reino do Norte de Israel, enfrentando o rei Acabe e Jezabel, e todo o seu exército.

João Batista repreendeu Herodes Antipas por possuir a mulher de seu irmão, Herodes Felipe. Ambos eram tetrarcas, governantes poderosos, filhos de Herodes o grande. E foi por isso decapitado, mas não temeu!

Ele não era a reencarnação de Elias!

No Espírito de Elias

João Batista, segundo o Evangelho de Lucas, era um Elias Espiritual, que tinha a função de preparar o caminho do Cristo, o Messias, para converter os corações dos pais, dos filhos, e transformar os rebeldes em justos. Estas funções de João foram previstas pelo Profeta Malaquias:

Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim;
Malaquias 3:1

Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor;
E ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição.
Malaquias 4:5,6

É muito especial a profecia de Malaquias 3:1, pois se notarmos bem, o Eterno Deus diz, “Eis que [eu] envio o meu mensageiro [João Batista], que preparará o caminho diante de mim [Jesus], ou seja, quem prepararia o caminho é João Batista, e quem viria depois de João é Jesus.

Aqui vemos que o Eterno Deus é Jesus. Foi o próprio Deus que se fez como um ser humano para nos comprar com o Seu próprio sangue! Jesus é o Eterno! A Ele a honra a Glória e o Louvor!

E tu, ó menino, serás chamado profeta do Altíssimo, Porque hás de ir ante a face do Senhor, a preparar os seus caminhos
Lucas 1:76

Veja que no texto citado acima, Lucas 1:76, segundo a versão Siríaca do Novo Testamento, a Peshitta, a palavra Senhor é Márya em Aramaico e Yechová em Hebraico. Esses são os nomes do Eterno Deus em Aramaico e em Hebraico e podem ser traduzidos como Jeová ou Javé.

lucas 1:76 em hebraico

O nome Senhor é Jeová ou Javé, e é aplicado a Jesus Cristo.


João é Sacerdote da Ordem de Abias

O nascimento de João Batista foi prometido no Evangelho de Lucas 1:5-25, ao seu pai, o Sacerdote Zacarias, que era da casa (genealogia) de Abias, um pouco antes do nascimento de JesusHavia uma escala de revezamento dos Sacerdotes que serviam no Templo de Jerusalém.

Os Sacerdotes foram divididos em 24 turmas, que se revezavam durante o ano, servindo por duas semanas, cada turma, no Templo. A casa de Abias era a oitava turma ou divisão de Sacerdotes. Essa divisão pode ser encontrada no livro de 1ª Crônicas 24:7-18.

João Batista era o precursor do Messias, descendente de Abias. E a própria descrição das ordens dos Sacerdotes, nas suas respectivas turmas que serviam no Templo, servem como revelações para as funções que o Messias de Israel desempenharia, pois o nome de cada Sacerdote desta lista aponta para uma função de Jesus como mediador e advogado.

Essas 24 divisões sacerdotais simbolizam as 24 funções de Cristo e apontam para os 24 anciãos do livro do apocalipse, e que estudaremos no futuro.

E saiu a primeira sorte a Jeoiaribe, a segunda a Jedaías,
a oitava a Abias…

1 Crônicas 24:7-18

E conforme já explicamos no estudo bíblico intitulado, “Quando Jesus Nasceu?“, a ordem sacerdotal de Abias estava servindo no Templo entre o final de setembro e o início de outubro, o que põe a data do nascimento de João Batista mais ou menos em Junho (a tradição Cristã comemora em 24 de Junho).

A importância desse dado histórico é que como Jesus nasceu 6 meses após João, a tradição do Natal em dezembro parece estar correta, apesar de muitos questionarem essa data.

João Batista Era um Nazireu

O Sacerdote Zacarias entrou no Templo para oferecer o incenso (Ketoret), e o Anjo do Senhor lhes apareceu, e deu instruções sobre o futuro ministério do menino João:

E um anjo do Senhor lhe apareceu, posto em pé, à direita do altar do incenso
Lucas 1:11

Não Beberá Vinho

Porque será grande diante do Senhor, e não beberá vinho, nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe.
Lucas 1:15

Esta proibição é a mesma aplicada a Sansão, pois ele também era um Nazireu:

De vinho e de bebida forte se apartará; vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte não beberá; nem beberá alguma beberagem de uvas; nem uvas frescas nem secas comerá.
Números 6:3

O Nome de João Batista

E aconteceu que, ao oitavo dia, vieram circuncidar o menino, e lhe chamavam Zacarias, o nome de seu pai.
Lucas 1:59

Pela tradição Judaica, o nome de um filho era dado no dia de sua circuncisão. Zacarias estava até aquele momento sem conseguir falar, desde o dia em que tinha duvidado da mensagem que o anjo Gabriel o havia trazido. Ele duvidou que seria pai, já que tanto ele como sua esposa Isabel eram já idosos.

Mas o nascimento de João Batista foi milagroso, semelhante ao que aconteceu com os Patriarcas do povo de Israel, pois Abraão e Sara também eram avançados em idade, quando tiveram Isaque.

E logo a língua de Zacarias “se desenrolou” e ele passou a glorificar a Deus, citando o Salmos 106:10:

Para manifestar misericórdia a nossos pais, E lembrar-se da sua santa aliança
Lucas 1:72

Essas palavras de Zacarias apontam para o nome de seu filho, pois João em Hebraico é Yochanan (lê-se Iorranan), que significa Jeová é misericordioso.

E o Menino Esteve no Deserto

qumran visto de uma caverna

A região do deserto de Qumran vista de uma caverna. O Mar Morto ao fundo.


E esteve nos desertos até ao dia em que havia de mostrar-se a Israel
Lucas 1:80

Esse verso de Lucas é intrigante. O que uma criança estaria fazendo no deserto. Bom, sabemos que havia uma comunidade que habitava no deserto, muito próximo do local onde João batizava, eram os Essênios da comunidade de Qumran.

Será que João cresceu junto com os Qumranitas?

Os Evangelhos nos contam que João Batista tinha seus próprios discípulos (João 1:35). O mesmo capítulo 1 do Evangelho de João nos indica que o Batista não vivia sozinho no deserto, mas em uma comunidade de seguidores, próximo a Betabara, uma cidade que distava apenas 12,8 Km das cavernas de Qumran.

Estas coisas aconteceram em Betabara, do outro lado do Jordão, onde João estava batizando.
João 1:28

Uma das mais importantes similaridades entre joão Batista e a comunidade de Qumran é a geografia, pois ambos residiam no deserto. E as cavernas onde foram encontrados os manuscritos do Mar Morto estão a apenas 8 Km do local que João Batizava no rio Jordão.

cavernas onde foram encontrados os manuscritos do mar morto

João Batista batizava a apenas 8 Km das cavernas de Qumran, onde os manuscritos do Mar Morto foram encontrados.


João Batista Era um Essênio?

Tanto os manuscritos do Mar Morto, quanto o Novo Testamento usam esta frase “no deserto”, retirado do livro do Profeta Isaías 40:3, quase que como um substantivo, um nome próprio, para descrever esta área geográfica.

E de fato, havia uma tradição que circulava na Igreja do Oriente e que vinha de um Evangelho apócrifo chamado de Protoevangelho de Tiago. Este livro era lido em algumas Igrejas do Oriente e traz uma tradição (é uma tradição, não se sabe se realmente aconteceu) que vale a pena trazer à baila.

O Protoevangelho de Tiago fala do tempo em que houve a matança dos meninos de Belém, e que Isabel fugindo para proteger o seu filho, levou João Batista ainda pequeno para os montes da região do deserto da Judéia.

E ela procurou um lugar par escondê-lo de Herodes, mas não encontrava local algum secreto o suficiente para isso. Foi quando ela teria dito, “oh montes do Eterno Deus, recebam uma mãe com seu filho“. E no mesmo instante a montanha teria se dividido em duas partes e recebido os dois. (Protoevangelho de Tiago 16:3-8)

Poderia esta Tradição estar preservando, na verdade, uma história em que João e sua mãe Isabel foram levados por uma abertura mas montanhas de Qumran (uma caverna)?

Ademais, Flávio Josefo nos conta que os Essênios costumavam criar filhos de outras pessoas (Guerras 2:8:3). Abre-se essa possibilidade de João ter crescido na comunidade de Qumran.

Ser criado é uma coisa, ser realmente um Essênio é algo diferente. João Batista era um Essênio? Vamos continuar para descobrir.

João Era Levita de Nascimento, Descendente de Zadoque

Como um Sacerdote, descendente de Zadoque, João Batista teria tido um lugar de proeminência entre os Essênios, que prestigiava muito os filhos de Sacerdotes.

Entretanto, se João realmente vivia em Qumran, mesmo assim a sua trajetória foi interrompida quando “a Palavra de Deus veio a João Batista…no deserto” (Lucas 3:2)

Os Evangelhos de Mateus e João nos informam que João comia gafanhotos. Os manuscritos do Mar Morto relatam que a comunidade de Qumran também comia gafanhotos. Esses manuscritos detalham até a forma como eles eram cozidos (Damascus. Doc. xii, 11-15).

Outro paralelo muito forte entre os Essênios e João Batista era o fato de ambos praticarem a imersão com água. No livro de Levítico encontramos o requerimento de lavagem das impurezas com água. Claro que se fossemos abordar que tipo de impurezas eram essas e por que havia esse requisito, faríamos diversos estudos para explicar esse tema.

Mas posso garantir que se tratava de medidas de proteção higiênica tanto para o indivíduo, como para o bem comum da comunidade.

A comunidade de Qumran e João Batista acreditavam que o batismo nas águas era um simbolismo de uma purificação muito maior, só que feita pelo Espírito Santo.

Uma similaridade final entre ambos era que eles pregavam fortemente que o dia do julgamento estava muito próximo.

Porém havia diferenças entre João Batista e os Essênios que são essenciais, de forma que realmente excluía João dessa comunidade. Essas diferenças nos fazem acreditar, definitivamente que ele não era um Essênio.

  • Os Essênios, segundo Flávio Josefo (Guerras 2:8:3), só usavam roupas de cor branca, enquanto que João Batista usava roupas rústicas feitas de pelos de camelo;
  • Os Essênios só comiam alimentos preparados na comunidade, enquanto que João comia a sua própria comida (Mateus 3:4);
  • O manual de disciplina dos Essênios pregava o ódio contra os homens de má reputação, já João Batista pregava o arrependimento de pecados, pois “o reino de Deus é ofertado” (Mateus 4:17).

Sobre o autor | Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies. Autor do livro Gênesis, o Livro dos Patriarcas.

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